Levanto
imediatamente da rede e vou atrás dela. Seguro seu braço no meio da sala
escura.
- Espera!
- Nós não podemos.
Não devemos. Não assim Victor. Por favor, não insista. Repete soltando seu
braço de mim. E indo pelo corredor escuro para seu quarto.
Fico ali, na
negritude da noite, em pé, no meio da sala, sem compreender. Será que avancei o
sinal? Não, ela é que veio até mim. Será que fui rápido demais? Deve ter sido
isso. Será? Permaneço ali, por alguns minutos, minha mente fervia, várias
dúvidas, nenhuma resposta. Por que? Porque não podíamos, afinal tanto ela
quanto eu estamos sozinhos. Por que não dessa forma? De que forma então? Como?
Ouço a sua porta se fechar. Respiro fundo. Balanço a cabeça negativamente. Sem
entender o que aconteceu. Fecho a porta da casa e vou para o meu quarto. No
corredor paro em frente ao seu quarto. Encosto meu rosto na porta. Porque não?
Dou um longo e profundo suspiro. E volto a caminhar pelo corredor escuro. Entro
no meu quarto. Fecho a porta me encostando do lado de dentro. Fecho meus olhos,
ainda posso sentir seu perfume. Troco de roupa e me deito mas quem disse que
consigo dormir? Fico até tarde da noite ali. Sozinho com meus pensamentos. Sem
entender. Acho que adormeço mais pelo cansaço do que por sono mesmo. Cansado de
tentar entender, de compreender o porque não podíamos.
M assim que entra em
seu quarto, fecha a porta, tranca. Não podia se deixar levar pelos desejos. Não
tinha mais dúvidas do que sentia por mim. Estava amando. Amando loucamente um
homem maravilhoso. Carinhoso, amigo, divertido e principalmente que lhe dava
apoio. O que jamais tinha tido durante esses anos todos. Um amor,
incondicional, sem interesses, simplesmente amava. Só ... amava. Senta-se na
beirada da cama. Coloca as mãos no rosto, sente vontade de chorar. Porque não
poderia se entregar completamente? Sabia a resposta, mas tinha medo do que a
verdade lhe reservava. Antes de ser ... vizinha ... amiga ... era fã. Uma fã
com tudo que tinha direito. Fazia parte de um fã-clube. Uma das mais ativas, se
bem verdade. Ajudava até na manutenção do blog do fã-clube. Participava das
comunidades do orkut. Colecionava recortes de jornais e revistas, tinha fotos.
Só não tinha conseguido ir ao camarim conhece-los pessoalmente, sua grana era
curta então quando ia aos shows seu dinheiro só dava pra comprar o ingresso
mais barato, ficava admirando-os de longe. Curtindo sua paixão. Paixão de fã.
Nem acreditou quando soube que estava morando no mesmo prédio que eu. Era muita
sorte. Por isso preferiu se calar. Como sempre fazia. Tinha medo que o encanto
se quebrasse. Que lhe afastassem do seu ídolo.
Mas e se contasse
para ele? Como fez sobre seus pais. Ele me deu tanto apoio. Pensava. M troca de
roupa e se deita na cama. Ele poderia não compreender. Poderia achar que estava
misturando as coisas. O ídolo com o homem. Não estava, tinha certeza disso. Mas
... quem garante que ele reagiria bem? Não. O melhor que fez foi se afastar.
Tinha que lhe contar a verdade, sua tia Mirtes tinha razão. Qualquer coisa
construída sobre mentiras poderia ser destruída num piscar de olhos. E não
queria ver um sentimento tão puro, tão forte ser destruído dessa forma, tão
triste, tão sofrida. Tinha sofrido demais nessa vida. Sem o amor dos pais.
Perder mais um amor? Não. Mas, como contar? Quando contar? Não sabia. Então se
afastou de mim. Tinha que pensar, em como e quando contar a verdade. Só então
poderia se deixar levar pelas alegrias de um amor verdadeiro. Por enquanto,
teria que se afastar. Por enquanto. Com esses pensamentos M adormece,
entristecida.
Acordo cedo no dia
seguinte, ainda sem compreender o que aconteceu na noite anterior. Resolvo não
tocar no assunto. Lembro o que M me disse na beira do rio. Que quando esconde
alguma coisa é por puro instinto de preservação. Autopreservação. Não quero que
nosso feriadão se estrague por imprudência minha. Farei de conta que nada
aconteceu. Não tocarei no assunto. Melhor assim. Tava tudo tão perfeito, sua
companhia era mais que agradável. Troco de roupa e vou para a sala. M já está
lá, tomando café.
- Bom dia!
- Bom dia me
responde de cabeça baixa, sem me encarar.
Respiro fundo e
sento a mesa pra tomar meu café. Ficamos naquele silencio pesado por um par de
minutos então resolvo falar.
- M, vamos combinar
uma coisa?
Ela levanta a cabeça
e me olha, não diretamente nos olhos.
- Não sei o que
aconteceu ontem. Só sei que você não gostou. Não quero estragar nossa viagem,
então vamos fingir que não aconteceu nada? Independente das nossas opiniões?
Assim poderemos continuar nos divertindo. Não sei quanto a você mas eu tô
adorando a sua companhia aqui na fazenda. Que tal?
- Lembra quando
estávamos no rio e eu te disse que tinha duas coisas pra te contar?
- Sim. Você me falou
dos seus pais.
- Essa é uma. A
outra ... desculpa Victor mas eu ainda não consigo.
- Tudo bem. Fazemos
assim. Deixamos isso em suspenso. Quando você sentir que tem condições e quiser
me falar, conversamos sobre esse assunto. Tá bom?
M consentiu com a
cabeça, esboçou um sorriso. Meio sem graça.
- Vamos andar a
cavalo? Mas dessa vez cada um no seu. Vamos? Disse já me levantando da mesa,
tentando afastar aquele clima pesado que pairava sobre nós.
- Vou me trocar
então. Você me espera?
- Lá no estábulo, tá
bom?
Ela concordou com a
cabeça e se foi para seu quarto. Eu sai e fui ver os cavalos para o nosso
passeio. Assim que sai de casa uma leve brisa trouxe um cheiro alcoólico no ar.
Percebi que as flores estavam exalando o seu perfume. Lembrei que temos algumas
árvores frutíferas na fazenda. Então pensei. Comer fruta no pé! É isso que
vamos fazer hoje. Abri um sorriso e fui ver os animais. M foi para seu quarto.
Trocou de roupa e calçou suas botas. Sentiu uma tristeza em seu coração. Victor
ficou visivelmente chateado com a sua recusa de carinhos. Mas era melhor assim,
pelo menos por enquanto. Tinha que reunir forças para lhe contar a verdade, e
também teria que ser no momento certo, senão... Olhou no espelho, respirou
fundo e saiu, pra mais um passeio. Passou pela cozinha e se despediu da tia
indo ao meu encontro. Chegou no estábulo e eu não percebi sua presença. Ficou
parada, quieta, só me observando preparar os cavalos. Quando me viro, tomo um
susto.
- Tá quietinha aí é?
Ela me sorri. Um
sorriso melhor que o primeiro do dia que me deu. Sinto falta das suas
deliciosas risadas. Torço para ouvi-las novamente, e logo.
- Tá pronto?
- Quase.
Ela continua ali,
quietinha, em pé, com os braços cruzados, a esperar. Assim que termino de selar
os cavalos entrego as rédeas do cavalo da M para o peão que me ajudou a arrumar
os animais.
- Vem, te ajudo a
subir. Digo esticando minhas mãos para ela. Ela vem, devagar, um pouco
reticente. Me dá a mão. Sinto sua mão fria, tremendo.
- Tá com medo?
- Pouquinho.
- Fica não, é o
mesmo animal que montamos.
Ajudo M a subir no
cavalo. Segurando-a pelos quadris no impulso. Assim que se ajeita em cima da
sela olho para ela. Linda.
- Tudo bem?
- Tenho que me
acostumar com a altura, somente. Responde séria.
- Quer que eu suba
com você?
M balança a cabeça
negativamente. Não tem jeito, o clima entre nós mudou. E mudou para pior. Dou
mais um tempo ali, ao lado dela. Então ela fala.
- Não vai montar?
- Vou sim, assim que
você se sentir confortável.
- Difícil! Diz
fazendo uma careta.
Fico ali, olhando
para ela.
- Pode montar. Tô
legal!
- Se você quiser
parar, saltar, fala tá. Recomendo indo em direção ao meu cavalo.
Monto e dou o pequeno toque para começarmos
nossa cavalgada, M faz o mesmo com o seu animal, logo estamos andando pela
fazenda, bem devagar. Em total silêncio.
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