- Já comeu fruta no
pé?
- Você quer dizer em
pé, né?
Não me contive e dei
uma risada.
- Não no pé mesmo.
Apontei para o pomar.
- Ah! Tirando direto
da árvore. Não.
- Quer comer?
- O que tem?
- Manga, Maça, Laranja
...
M olha para o outro
lado e aponta.
- Aquilo ali é
bambu?
- Não. Cana.
- Cana? Adoro caldo
de cana. Prefiro cana. Pode ser?
- Claro! Você é quem
manda.
Viramos nossas
montarias e fomos em direção ao pequeno canavial que havia na fazenda. Alguns empregados
estavam retirando um pouco de cana. Pedi uma pra nós. Recebi nossa cana e virei
novamente o cavalo, agora de frente para M.
- Vamos para a beira
do lago. Lá poderemos comer a cana com calma.
M consentiu com a
cabeça. Séria. Me entristecia vê-la assim. Mas não tinha como desfazer esse mal
estar entre nós. Pelo menos eu não estava conseguindo. Chegamos na beira do
lago e apeei. Coloquei a cana encostada numa árvore e prendi meu cavalo num
cavalete que tinha por perto. Fui até M que me esperava ainda montada. Segurei
as rédeas de seu cavalo. E dei a mão para que se apoiasse ao descer. Ela desce,
calada. Amarro seu cavalo, junto ao meu. Pego a nossa cana e vou para a beira
do lago, sento em um banco, onde normalmente fico quando resolvo pescar ali. M vem
e se senta ao meu lado. Pego meu canivete então começo a cortar a cana em
pequenos pedaços e vou separando, ao lado no próprio banco.
- Você tá chateado
comigo né! Por causa de ontem a noite.
- Não. Acho que você
é que tá.
- Eu tô chateada mas
é comigo mesma.
Respiro fundo e
recebo um afago nos cabelos.
- Me desculpa?
- Se você me
desculpar primeiro!
M balança a cabeça
positivamente então ouvimos latidos. Me viro e vejo Irra, minha cadela, pastor
alemão. Olho e vejo que ela está agitada, sendo segura pela coleira por
Ferreira
- Solta ela
Ferreira. Grito.
Ele solta e ela sai
correndo, latindo, em nossa direção. Fico em pé, deixando a cana e o canivete
no banco. Dou alguns passos e sou recebido com a maior festa. Irra fica em pé
sobre duas patas, me lambendo e brincando comigo.
- Ô menina! Desde
que cheguei não te dei atenção, né filha! Fazia carinho nela. Vem, cá, vem. Vem
conhecer a amiga do pai. Vem. Disse segurando sua coleira e levando-a para
conhecer M que era só sorrisos. Ela finalmente voltou a sorrir. Aquele sorriso
maravilhoso que só ela tinha. M estica a mão para que Irra sinta seu cheiro,
sem medos. Tranqüilamente ela segura Irra pela coleira, puxando-a para junto de
si, afagando seus pelos.
- Gosta de cachorro
M?
- Amo! Nunca tive
um, meus pais não deixavam.
Fico observando M
brincar com Irra, impressionante como se davam bem, logo de cara.
- Ela gostou de
você. Observei.
- E eu dela. Disse
sorrindo novamente. Como é o nome dela?
- Irra.
- Quer cana Irra?
Irra late, feliz.
Então M pega um pedaço da cana que tinha cortado e dá na boca da Irra que
abocanha e se deita na grama mordendo a cana. Volto a sentar e continuo a
cortar a cana então passamos uma manhã tranqüila, conversando, aos poucos o
clima pesado foi se dispersando. Graças a Irra que se entusiasmou com a nova
“amiga”.
Na hora do almoço
deixei M em casa e fui levar Irra para o canil. Almoçamos tranqüilamente e
depois sentamos no sofá na sala. Ficamos ali, de forma preguiçosa conversando.
- Victor?
- Oi.
- Que horas vamos
amanhã?
- Já quer ir embora?
Acabamos de chegar? Brinquei.
M riu. Não era mais
a mesma coisa mas era bem melhor do que o clima que estava no café da manhã.
- É que tenho que
estar no trabalho no inicio da tarde.
- Bom, nesse caso...
saímos pela manhã ainda. Almoçamos na estrada, tudo bem pra você?
- Tá ótimo.
- Quer jogar?
- O que?
- Sei lá, temos um
monte de jogos aqui. Peraí.
Sai da sala e fui
até o quarto do Mateus, onde estavam guardados vários jogos. Peguei alguns e
voltei para a sala.
- Escolhe.
M pegou um por um e
ficou vendo.
- Por que não todos?
- Como assim?
- Uma partida de
cada. Tipo um duelo. Quem ganhar mais vezes é o vencedor.
- Preparada pra
perder? Desafiei.
- Preparado pra
apanhar? Rebateu.
Passamos o resto da
tarde e o inicio da noite ali, brincando. Por algumas horas esquecemos o mal
estar que tinha se instalado entre nós. E nos divertimos a valer. Confesso que
algumas vezes deixei M ganhar, mas em outras tentei roubar mas fui flagrado por
M que sempre que isso acontecia me batia com as almofadas do chão. Na hora de
sempre D. Mirtes vem nos chamar para o jantar, jantamos todos juntos. Eu, M, D.
Mirtes e Ferreira. M fez os dois prometerem que assim que tivessem uma folga
iriam visitá-la em Uberlândia. Terminou de jantar e pediu licença pois tinha
que arrumar suas coisas para a viagem do dia seguinte. Não vi mais M o resto da
noite. Na manhã seguinte levantei um pouco tarde, me sentia um pouco triste,
afinal nosso passeio estava acabando. Poderia ter sido melhor se não fosse
aquela noite. Sacudo a cabeça tentando afastar tais pensamentos. Troco de
roupa, separo minha mala que já estava pronta e vou para a sala. Coloco minha
mala no sofá da sala, M já está de pé, só que na cozinha, sentada no colo da D.
Mirtes ganhando os carinhos da tia.
- Bom Dia! Ihh!
Desse jeito essa menina vai é ficar mimada. Disse provocando.
- Quem não gosta de
um colo? Pergunta sorrindo.
Seu sorriso estava
novamente mais leve. Mas ainda não sinto aquela alegria contagiante de antes.
- Tá certa!
Sento e começo a
tomar meu café. D. Mirtes pede licença e se levanta da mesa. M fica ali
sentada, já tinha tomado seu café mas ficou ali, me fazendo companhia. Assim
que termino pergunto:
- Quer ir embora já?
- Podemos dar uma
volta antes? Queria me despedir da Irra.
Concordei. Levantei
da mesa e lhe estendi a mão. M me dá a mão e vamos até o canil. Quando me vê,
Irra começa a latir e a abanar o rabo. Não tem jeito. Cachorro sempre se
denuncia pelo rabo. Abro o canil e Irra sai, fazendo a festa e lambendo M. As
duas tinham se entendido, e muito bem por sinal. Ficamos um tempo ali,
brincando com Irra. Então olho o relógio.
- É melhor irmos.
Senão podemos pegar algum trânsito na estrada e nos atrasarmos.
M concordou com a
cabeça. Deu um abraço forte em Irra. Eu a afaguei novamente. Abri a porta do
canil e coloquei Irra novamente pra dentro. Voltamos pra casa principal. M
pediu licença e foi buscar sua bagagem. D. Mirtes então vem até mim.
- Patrão?
- Fala D. Mirtes.
- Eu separei algumas
compotas para M levar, tem algum problema?
- Claro que não D.
Mirtes.
M voltou com sua
valise que peguei junto com a minha pequena mala.
- Vou colocar isso
no carro. Te espero aqui em frente de casa tá? Me despedi de D. Mirtes e do
Ferreira, que tinha acabado de entrar na sala.
M ficou ali por mais
um tempo. Abraçou os tios emocionada. Voltou a lhes cobrar a visita e recebeu
entusiasmada o pequeno farnel que D. Mirtes preparou para ela. Tinham várias
compotas, queijo e algumas frutas. Tudo arrumado no maior capricho. Abraçou os
tios e foi pra porta da casa me esperar enquanto tirava o carro da garagem.
Paro o carro na frente da casa e M abraça novamente os tios, pega sua pequena
cesta e entra no carro. Guarda a cesta no chão do banco de trás, coloca seu
cinto e acena novamente.
- Vamos?
- É né! Diz meio
triste.
Dou a partida, aceno
para D. Mirtes e Ferreira. Então, estrada novamente.
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