Olho sem acreditar. Aquele canalha! Ligando a essa hora. No mínimo devia tá em casa de pernas pro ar e ligou pra saber se ela já tinha chego em casa.
- Não Tuca, não precisa, já peguei uma carona.
Disse me olhando com uma cara de completa insatisfação. Não sei se por eu estar ali ao seu lado ou pelo fato dele não ter ido resgata-la.
Entrei mais em algumas ruas e sai em outras mas não tinha jeito. Tava tudo parado. Quando por distração pego uma rua errada e saio junto a uma das saídas do Uberabinha e estava tudo alagado. A água já batia na metade dos pneus e em alguns pontos nas portas dos carros.
- Merda! Bati a mão no volante.
Falei em voz alta. M se assustou com minha reação e olhou para mim assustada. Reparei que mais uma vez deixei meus pensamentos falarem alto demais.
- Desculpa. Disse sem graça.
- E agora? Acho que não temos como fugir. Vamos ficar presos.
- Não! Peraí!
Comecei a analisar a região. Já moro em Uberlândia a alguns anos. Mas reconheço que me perdi tentando fugir da tempestade. Vejo alguns carros indo em direção a uma rua e percebo que é uma subida. Ótimo, é pra lá que vamos também. Jogo a seta e tento fugir do engarrafamento.
Consigo entrar na rua, muitos carros parados nas calçadas. Confusão para todo os lados. Sigo em frente com certa dificuldade. Quando chegamos ao alto da rua resolvo parar no acostamento. Não adiantaria seguir adiante. A cidade estava completamente parada. M me olha preocupada.
- E agora? Pergunta.
- O jeito é esperar. Ou a chuva passa ou o rio volta ao normal. Continuar é perigoso.
Ligo o rádio para ver se temos mais alguma notícia e logo o locutor anuncia o que já estávamos vivendo.
Locutor: A cidade de Uberlândia está parada. Se você caro ouvinte estiver pensando em sair não o faça. A defesa civil lançou um alerta hoje cedo informando a chuva mas não esperava tão grande volume d’água. Os bombeiros pedem que a população não saia as ruas.
Desliguei o rádio. Não tínhamos nenhuma novidade. Voltei para o cd. Era um cd instrumental do saxofonista Kenny G.
Tiro o cinto de segurança e tento relaxar. Não adiantaria nada ficar estressado. M faz o mesmo e me pergunta:
- Se importa se eu tirar meus sapatos? É que fiquei em pé o dia todo.
- Imagina! Fica a vontade. Não quero te preocupar mas acho que vamos demorar por aqui.
- É, parece que sim.
Respiro fundo e volto a olhar a chuva. A música tava ajudando no clima de relax. Ela se vira e coloca a sua bolsa no banco de trás do carro. Fico fitando-a e sinto algo que ainda não sei exatamente o que é, um sentimento bom, tranqüilo e que muito me acalma. Ela me olha no fundo dos olhos e só então percebo. Meu reflexo em seus olhos. Vejo a mim mesmo ali nos olhos daquela mulher. Daquela linda mulher.
De repente um susto me tira do meu transe. Meu celular toca. Olho no visor e vejo o nome do Leo piscando. Atendo o telefone:
- Oi. Tô preso e você?
- Tô em casa já. Mas tá preso aonde?
Olho ao redor e não consigo identificar o local mas para não assustar M respondo.
- Perto do escritório, ainda.
- Mas você tá no trânsito ou parou. Cara a cidade tá um caos. Tá passando na TV direto.
Nossa! Detesto telefone, já meu irmão... Tento encerrar a ligação.
- Tô parado. Tá tudo alagado aqui. Peguei uma rua de subida e parei no acostamento. Assim que sair daqui ligo pra você. Vou desligar o telefone senão pode a bateria arriar e aí não falo com ninguém.
- Tá certo então. Mas liga mesmo viu. Tô preocupado com você. Vou avisar a mãe.
Desligo o telefone e logo em seguida o aparelho.
Até parece! Sei que meu irmão me adora mas não acredito que ele vai se lembrar de mim daqui a ..., sei lá, meia hora, talvez. Sozinho em casa com a mulherzinha dele. É ruim!
Volto a olhar M e ela desvia o olhar para a rua. Fico calado só a observando. Que perfil lindo ela tem. E o nariz? Delicado, fino, levemente arrebitado. De repente um novo susto. Agora era o celular dela que tocava. Ela se vira para pegar a bolsa no banco de trás, automaticamente me viro também paramos no mesmo momento com nossos rostos muito próximos um do outro. Dava pra sentir sua respiração. Ela me olha novamente no fundo dos meus olhos e seu olhar me perturba. Sinto um arrepio correr pela minha espinha. Viro-me novamente para frente tentando disfarçar. Meu Deus! O que estava acontecendo comigo? Ela pega a bolsa, abre e pega o telefone. Solta um suspiro pesado e atende.
- Oi Tuca, ainda não cheguei.
Ela fica alguns instantes muda. Ele devia estar falando.
“To com saudades. Uma chuva dessas e você presa nesse engarrafamento. Preferia você presa nos meus braços. bla bla bla bla bla bla.” Se tivesse mesmo preocupado com ela teria ido busca-la no trabalho. Uhf! Então ela responde:
- Ó, vamos fazer o seguinte. Tá tudo parado aqui. Não sei que a horas vou chegar em casa. Quando chegar te ligo tá bom! Pausa. Tá, independente da hora eu ligo. Mas vou desligar o telefone. Tenho medo da bateria arriar e ficar sem. Assim que chegar te ligo, prometo. Espertinha... usou a mesma desculpa que eu. Gostei. Ela desliga o telefone dizendo que o ama, o que me irritou profundamente, e logo em seguida o aparelho jogando-o na bolsa e colocando-a no banco de trás novamente.
Voltamos a ficar em silêncio. Só com o barulho da chuva e o cd tocando baixinho. Volto a olhar para ela e a observa-la. Ela volta a se endireitar no banco olhando a chuva.
- Pelo visto não vai passar tão cedo né!
- É. Respondo automaticamente.
- Nossa tô tão cansada. Hoje o dia foi duro pra mim.
- É. Para mim também. Respondi mais uma vez no automático. Ela conseguia fazer meus até meus pensamentos pararem.
Mais uma vez o silêncio impera no carro. O cd acaba. Tiro e pergunto se ela gostaria de ouvir algo.
- Não. Quem dirige é que impõe o estilo musical. Escolhe você, pelo visto tem bom gosto.
- Tá certo então.
Pego meus cds e fico procurando algo no mesmo estilo. Enia!
- Gosta de Enia?
- Não conheço. Mas coloca aí. Não vamos a lugar nenhum mesmo. Disse rindo
Como seu riso me encantava. Coloquei o cd.
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