Assim que cheguei em casa percebi que tinha visita, um homem
tomava café na minha sala. Ao ver que tinha chegado, se levantou e se virou
para a porta.
- Marcel! Tudo bem?
- Olá Victor! Como você tá? Vim aqui te ver e pedir sua
ajuda.
- Indo. Fazer o quê? Não temos controle sobre essas coisas
né! Disse tentando me conformar. Mas me diga. O que você tá precisando?
Marcel tinha um pacote em mãos. Ele me entregou. Abri e era
a bolsa de M. Tinham levado para a delegacia e não sabiam de nenhum parente
dela. Pelo menos não encontraram ninguém. Senti um aperto na garganta e meus
olhos marejarem. Respirei fundo e olhei novamente para Marcel.
- Você é a única pessoa que era mais próximo a ela. Não
conseguimos encontrar o paradeiro de parentes. É bastante estranho.
- Ela era sozinha. Respondi.
Pelo menos a dor de rejeição de seus pais iria ser
preservada. Era um segredo de M e que se dependesse de mim tinha morrido com
ela.
- Foi o que imaginei. Não conseguimos extrair o DNA do corpo
encontrado, mas encontramos rastros na mata, perto da fronteira. Algumas
pegadas, pelo menos de duas pessoas e uma terceira, arrastada. Não temos
dúvida, Tuca foi resgatado pelo tráfico boliviano, perdemos mais uma vez. Não
sei o que fazer com isso. Disse apontando para a bolsa. Então pensei em você.
Talvez você soubesse de alguém, algum parente mais próximo.
- Ela não tinha ninguém. Reiterei.
Perguntei pelo corpo e Marcel me informou que já estava
sendo trazido para Uberlândia, na manhã seguinte, se fosse do meu agrado,
poderia requisita-lo no IML sem me preocupar com as burocracias. Marcel havia
orientado para que o liberassem para mim. Agradeci ao Marcel e ele se despediu
logo em seguida. Assim que fechei a porta e voltei a ver aquela bolsa ali
sentei no sofá, a peguei e abracei me deixando vencer pela dor.
Fui arrancado do meu dolorido transe com a voz de D. Graça.
- Seu Victor!
- Hã! Sim D. Graça.
- A janta. O senhor não comeu nada nem ontem nem hoje, o
senhor precisa comer alguma coisa senão vai acabar doente.
Doente, muito doente, mortalmente doente, era assim que me
sentia. Mas a minha cura já não existia mais.
- Não, obrigado. Não tenho fome.
Levantei daquele sofá, o mesmo onde M quase que
inconsolável tinha sentado para se desculpar pelo soco que Tuca havia me dado.
Respirei fundo, tentando controlar uma dor incontrolável. Fui para o meu
quarto, fechei a porta e me sentei na cama abrindo a sua bolsa. Comecei a mexer
em suas coisas, seu batom, sua carteira, ao abrir me deparei com uma foto
minha, uma foto feita comercialmente, senti um aperto muito grande no peito e
logo as lágrimas rolaram em minha face. Vi as chaves do seu apartamento então
parei para pensar. E agora? As suas coisas, como farei? Coloquei tudo na bolsa
novamente. Amanhã penso nisso. Hoje não. A saudade ainda é muito forte pra me
preocupar com coisas práticas. Voltei a me deitar. Adormeci abraçado a bolsa de
M. Podia sentir o cheiro de seu perfume nela.
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